sábado, 5 de maio de 2012

Poema à Mãe


    No mais fundo de ti
    Eu sei que te traí, mãe.

   Tudo porque já não sou
   O menino adormecido
   No fundo dos teus olhos.

   Tudo porque ignoras
   Que há leitos onde o frio não se demora
   E noites rumorosas de águas matinais.

   Por isso, às vezes, as palavras que te digo
   São duras, mãe,
   E o nosso amor é infeliz.

  Tudo porque perdi as rosas brancas
  Que apertava junto ao coração
  No retrato da moldura.

  Se soubesses como ainda amo as rosas,
  Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

  Mas tu esqueceste muita coisa;
  Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
  Que todo o meu corpo cresceu,
  E até o meu coração
  Ficou enorme, mãe!

  Olha - queres ouvir-me? -
  Às vezes ainda sou o menino
  Que adormeceu nos teus olhos;

  Ainda aperto contra o coração
  Rosas tão brancas
  Como as que tens na moldura;

  Ainda oiço a tua voz:
  Era uma vez uma princesa
  No meio do laranjal...

  Mas - tu sabes - a noite é enorme,
  E todo o meu corpo cresceu.
  Eu saí da moldura,
  Dei às aves os meus olhos a beber.

  Não me esqueci de nada, mãe.
  Guardo a tua voz dentro de mim.
  E deixo as rosas.

  Boa noite. Eu vou com as aves.

                              Eugénio de Andrade




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